O meu pai biológico abandonou a minha mãe ainda antes de eu nascer, ela tinha 19 anos quando eu nasci e foi recolhida por uma casal a quem eu viria a chamar tia e avô respectivamente. O meu pai (adoptivo) só surgiu na vida da minha mãe quando eu já tinha 3 anos de idade. Ele era fadista nas horas vagas e enfermeiro da Cruz Vermelha onde chegou a instrutor. Era aquilo que muitas mulheres consideravam um borracho, bonito, tipo atlético e sempre bem vestido. Ainda me lembro de ele se encontrar com a minha mãe no jardim em frente dos Jerónimos, trazia-me sempre um pacote de bolachas de baunilha, ainda hoje gosto delas. A verdade é que ele me perfilhou e desde então sempre me tratou como filho. Recordações? Tenho muitas. Desde ele levar-me com ele para o Bairro Alto aos fados onde ia cantar e quando eu adormeci trouxe-me ao colo até um táxi, na altura era caro. Dentro do táxi acordei “Olha o popó!”, ele já não teve coragem de sair e graças a essa aventura no dia seguinte teve que ir a pé para o emprego pois gastou todo o dinheiro comigo. Esta apenas uma das muitas histórias. Quando teve que me dar a primeira injecção tremia mais ele do que eu. Nunca deixou que nada me faltasse.
O meu pai era um desses homens capazes de fazer qualquer coisa pela família. Era um homem
O meu pai era alegre, brincalhão e não havia um Carnaval que ele não se mascarasse de “Francesa Bêbada” como ele dizia, um penico atado com uma gravata servia-lhe de mala de mão. Muitas adversidades teve que enfrentar em conjunto com a minha mãe por causa de doenças, isto ao longo de toda a vida.
Viemos morar em Lisboa onde um dia com 32 anos foi internado com uma suposta gripe. Uma injecção estragada atirou-o para uma cadeira de rodas.
Qualquer outro teria desistido, mas ele não. Fez reabilitação em Alcoitão, jogou basket em cadeira de rodas, aprendeu a tricotar camisolas de lã numa máquina, ajudou a fundar um clube de futebol que ainda hoje existe e nunca deixou de acreditar que um dia voltaria a andar, infelizmente nunca o conseguiu. Era uma pessoa autónoma, vestia-se e lavava-se sozinho, ia para Lisboa tratar de assuntos disto e daquilo, e eu lá ia atrás com ele. Mais tarde arranjou um triciclo a motor e nunca mais parou. Lembro-me que ele tinha sempre um sorriso nos lábios, sempre uma piada para contar e era querido por toda a gente. Já mais velho apareceu-nos uma criança abandonada à porta, ele ganhou mais um filho e nós um irmão. Éramos quatro passámos a ser cinco. Ainda hoje somos cinco irmãos de plenos direitos.
Os anos passaram e tivemos muitas divergências, ele queria o melhor para mim, eu queria fazer e fiz asneiras. Fui para a música ao contrário do que ele desejava que fizesse que era tirar um curso. Muitos anos mais tarde pediu-me uma cassete das minhas músicas e ouviu aquele rock barulhento de princípio ao fim. No final deu-me os parabéns. Foi o meu disco de platina aquela aprovação. Viu-me na TV, infelizmente nunca me viu tocar ao vivo.
Um dia, contrariamente a tudo o que sempre professara quis casar com a minha mãe pela igreja, viveram juntos 23 anos antes desse evento. Foi muito engraçado os filhos todos na primeira fila a assistir ao casamento dos pais. Momentos inolvidáveis.
Foi-lhe diagnosticado um cancro nos intestinos e gradualmente a doença tomou conta dele. Fez inúmeras intervenções cirúrgicas, a cada uma ele acreditou que ficaria melhor, entrava sorridente para a sala de operações e de lá saía sorridente. Na última operação fui buscá-lo ao Egas Moniz e quando o vi percebi que o fim estava próximo. Aquele homem de porte atlético estava pele e osso, a voz já mal se ouvia, só o sorriso e o brilho dos olhos eram os mesmos. Alguns meses mais tarde deu entrada no Hospital de Cascais e dia sim, dia não a minha mãe

26 comentários:
Muito obrigado Van Dog do fundo do coração
Abraço
Quando perdemos aqueles que nos são queridos, ficamos sempre com a sensação de que não dissemos ou fizemos o suficiente.
Com toda a certeza, o teu pai não pensará o mesmo, esteja ele onde estiver.
Bonito texto e grande homem!
(adorei a música!)
Beijinhos
Ana,
É bem verdade o que dizes, muitas vezes dou por mim a pensar que lá onde quer que ele esteja ele sabe tudo o que me vai no coração e sentirá tudo o que não lhe disse em vida. Pelo menos saberá que não o esqueço nunca e que sinto muito a falta dele.
Beijinhos
"quando eu morrer,
não quero ficar sózinha.
quero a companhia da música,
para me guiar na travessia."
...
Que bonita homenagem ao teu pai! ele merece continuar vivo na tua memória e no teu coração!
(espero que ele aprecie a música que lhe dedicaste no teu post..)
cartoon: a Marla adorou ;0)
montes de beijos
Querida Kuska,
Tu conheceste-o, sabes como ele era e a importância que ele teve para mim e ainda tem. Foste tu quem me deu a notícia por isso partilhaste o momento e representáste-me nas cerimónias, acho que esta é uma homenagem que lhe devia.
Fica tranquila que se fores primeiro eu até toco guitarra para te guiar e os canitos acompanham uivando. Se formos primeiro na hora de partires tocaremos harpa lá de onde estivermos (não sei se têm electricidade) e ficamos à tua espera.
Acho que o meu pai onde quer que esteja gostará da música, melhor só eu fazendo uma, talvez um dia quem sabe.
Ainda bem que a Marla gostou do cartoon
beijinhos
Só algo do género para me fazer ir às lagrimas.
Passei pelo mesmo vai fazer no dia 10 de Junho 8 anos.
Um dia escrevo sobre o que me vai na alma!
Música muito bem escolhida!
Abraço
Cap Créus,
Sinto muito, ambos sabemos o que isso é. Para mim escrever sobre o que me vai na alma é como que libertar o mais profundo de mim e partilhar os meus sentimentos com os outros, pelo menos aqueles que me quiserem receber do mesmo modo que eu os recebo. Escreva quando quiser que certamente eu irei até lá para ler.
Abraço
Muito lindo
Rute,
Muito obrigado pelo seu comentário, volte sempre quando o desejar
Onde quer que o teu pai esteja, ele há-de estar com o mesmo sorriso de sempre. Ler estas palavras vindas de um filho deve encher qualquer pai de orgulho.
Muito bonito mesmo este texto!
Bjs
Carracinha,
Muito Obrigado pelas tuas palavras, a homenagem é bem pequena comparada com a grandeza do homem que foi meu pai, quanto ao sorriso dele e aquela força de viver estão para sempre gravados no meu coração.
Beijos
Tenho uma história parecida com a tua, tive um pai parecido com o teu, o mesmo brilho, os mesmos olhos de mel, o mesmo amor.
Mas não quero falar nisso, doi.
beijo d'enxofre
Eis um texto que eu não posso comentar. Demasiado pessoal.
Um Pai é sempre uma figura marcante. O meu também já morreu. Não gosto de falar disso.
Diabba,
Como tiveste um pai parecido com o meu sabes que é alguém que nos marca para a vida inteira. A mim não me dói falar nisso, o que me dói é recordar tantas vezes e tantas coisas sabendo que já não o tenho comigo, só no coração e na memória.
Beijos
Querida Teresa,
Compreendo e respeito a sua dor. O meu texto é mais uma homenagem que eu senti necessidade de fazer, é como se falasse comigo mesmo.
Beijos
Olá Afgane!
Obrigada pelas bonitas palavras que lá deixou.
Dói mas não mata. Grande lema. E verdadeiro também!
Mais uma vez: obrigada!!!!!
Bjs
Não haja dúvida nenhuma que um pai marca sempre uma pessoa. E como gosto tanto do meu pai!!!!
Parabéns pela tua bela narrativa.
Deixo-te este meu poema:
A casa está vazia.
Subo as escadas e tu apareces,
às vezes,
com as cores do Outono.
Vejo um vulto, és tu
que me deixas uma marca
sobre a minha palidez.
Já não queres aprender
com o passado e só preferes
gritar, chegar ao fim da vida
para então descobrir
que não viveste.
Já não falas e não te moves,
e no entanto a minha vida estremece,
assaltada pelos teus gemidos profundos.
O pranto cresce nas ruas da amargura
porque abandonas a terra,
olhando para trás.
Então,
agora vislumbras a beleza
e a alegria que nunca tiveste,
porque os medos em que viveste
te impediram de ser feliz.
Os meus dedos continuam a fechar
os olhos...
dos guerreiros mortos.
Quero agradecer, respeitosa e sinceramente, a todos aqueles que fazem do "nosso"
http://lusoprosecontras.blogspot.com
um ponto de encontro onde a Amizade, a Paz e o Bem nos fazem sentir e viver a vida com mais AMOR.
BEM-HAJAM!
Felicito-te, também, por me presenteares com este teu maravilhoso blogue. Gosto muito de aqui "ancorar".
Cara carracinha,
No que eu puder ajudar estou à disposição.
beijos
Sandokan,
Obrigado pela visita, pelo comentário e pelo poema, volte sempre.
Abraço
Voltei para te avisar que foste "apanhado" numa corrente...lá no meu cantinho.
Bjs
Linda homenagem, um homem inspirador.
Bonita forma de se falar do Pai!
Confesso que me caíu uma lágrima...
Vim cá por curiosidade e gostei do que li!
Beijinhos
Lurdes,
Esta foi a forma que encontrei para homenagear o grande homem que foi meu pai, é o que sinto.
Obrigado pela visita
volte sempre
faltou apenas uma coisa: o voltar a andar...
gostei muito.
Caditonuno,
Pois é ele nunca voltou a andar, mas garanto-lhe que em todos os momentos da sua vida nunca deixou de tentar e de acreditar. Na verdade é disso que é feita a vida tentarmos alcançar o sonho e acreditarmos que vamos conseguir. Pelo meio encontraremos muitas coisas mais que por vezes suplantam o próprio sonho.
Abraço
Tocou-me de tal modo que uma lágrima, teimosa, insiste e vence. Até que podia contar, aqui, em poucas linhas (paralelas?) e com algumas frases desfeitas outra história cujos intervenientes bem conheço... ~
Isto de blogar tem muito que se nos diga. Agora, fiquei a pensar no assunto. Lá irei...noutra oportunidade. Cá, voltarei com vontade.
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