terça-feira, 17 de julho de 2007

Vida Selvagem em Mem Martins

Há momentos em que me sinto privilegiado por estar no local de trabalho em que me encontro. Se por um lado é extremamente monótono, por outro é bastante enriquecedor.
O meu trabalho é na secção de segurança de um complexo industrial situado em Mem Martins. Temos uma central totalmente envidraçada e cameras que nos permitem ver tudo em redor. Os vidros são espelhados pelo exterior pelo que vemos tudo e não somos vistos pelo lado de fora.
O complexo tem na sua frente uma zona habitacional cuja separação é feita por uma simples estrada principal. Pelo lado esquerdo e traseiras temos um parque industrial que pertenceu à Midesa e pelo lado direito fazemos fronteira com o complexo da Kraf United Biscuits (antiga Triunfo). O edifício da Kraft é facilmente reconhecível devido ao seu formato caixote sem janelas e a cor azul das suas chapas. Em cada um dos lados do edifício existem duas chaminés e dois respiradouros. Um edifício complementar completa a fábrica de bolos e biscoitos que por vezes trás até nós um cheirinho que é de perder a cabeça.
Dentro dos terrenos da Kraft existe uma parte que é composta de mato rasteiro e pedras, um pouco semi-selvagem ao contrário do nosso lado que é todo ele jardins.
Agora que já vos situei vamos à parte verdadeiramente interessante. Num dos respiradores do topo do edifício da Kraft habita um casal de Milhafres: pequenas águias da família Buteo Buteo. No caso são designados por Milhafres rabo-de-bacalhau. Todas as manhãs e finais de tarde as nossas aves efectuam voos planantes soltando gritos facilmente reconhecíveis e audíveis fazendo com que as demais aves fujam rapidamente do local. Já os observei numa atitude de caça contra uma ave que me pareceu ser uma Rola. Esta, mal tentava alçar voo o Milhafre aparecia num voo picado fazendo a Rola mergulhar de imediato na árvore mais próxima. Normalmente o Milhafre alimenta-se de dia e procura as lixeiras para o fazer.
Este casal de Milhafres todos os anos tem crias, uma ou duas varia de ano para ano. Posso assegurar que é uma delícia ver os adultos a ensinar as crias a voar: começa por alçar voo o adulto, a cria fica a piar desesperadamente na entrada do respiradouro. O adulto chama até que a cria algo desajeitada se lança no espaço com um bater de asas frenético e desajeitado. Nos dias seguintes observamos a cria aprimorar a técnica, só se enganam sempre na entrada do ninho tendo os adultos de os ir buscar ao respiradouro errado.
No mato circundante da Kraft existem ainda os coelhos bravos. É frequente ver coelhos sentados sobre as patas traseiras, orelhas espetadas e cabecitas movendo-se em todas as direcções, principalmente aos primeiros raios da aurora.
Outra espécie que habita o mato é os ratos. Temos desde a vulgar ratazana até uns ratinhos mais pequenos que são os chamados do campo. Ora onde existe esta espécie existe uma outra: os gatos. Pelas minhas contas há cerca de sete ou oito gatos de cores diferentes a viver nos complexos. São gatos selvagens, fugidios e que não se deixam apanhar, excepção feita para o “Mantorras” um garboso gato negro bem mais bonito do que a personagem que lhe emprestou o nome. O “Mantorras” introduziu-se no café local e rapidamente conquistou o carinho de toda a gente. Logo pela manhã ele entra e roça-se por quem lá estiver. A filha do dono coloca ração e água no recipiente próprio e o dócil gato vai logo comer. Está por ali até ao fecho, depois parte e embrenha-se na noite até ao dia seguinte.
Perto da noite começam a surgir os gatos, vêm de locais diferentes espalhados pelo complexo e atravessam-no a coberto das paredes, parando apenas em locais que possam servir de refúgio ou de fuga contra eventuais surpresas ou ameaças. Nesses pontos param em posição de agir e perscrutam o caminho por onde tencionam passar. Os músculos tensos, passos felinos e firmes, um regalo para quem observa.
O itinerário dos gatos vadios inclui uma visita a todos os caixotes do lixo das redondezas e depois o território selvagem da Kraft. Ainda hoje assisti a uma caçada: um bonito gato preto e branco começou a andar semi-arqueado, pata ante pata como se estivesse a pisar papel de arroz. O seu olhar fixo num ponto e o seu corpo movendo-se com a precisão de um relógio, os músculos tensos. Escondia-se a coberto dos arbustos que transpunha com um salto felino e gracioso. Fez isto durante cerca de 4 metros e saltou sobre o alvo, um rato do campo. Vou abster-me de descrever a matança.
Na verdade meus amigos, posso orgulhar-me de ter a minha selva privada num complexo em Mem Martins a dois passos da civilização.
Infelizmente estou a trabalhar quando tudo isto acontece e não tenho tempo de registar os acontecimentos em foto ou filme, mas ainda hei-de ir para lá numa folga a ver o que consigo.

14 comentários:

Van Dog disse...

Bela descrição! Deu para viver um pouco esse ambiente...

V. disse...

Afgane, devo dizer-te que esta tua entrada foi das que mais prendeu a minha atenção: por eu morar em Algueirão, por tentar identificar onde estás e não conseguir (moro cá há relativamente pouco tempo, Mem Martins não é comigo, estou aqui na aldeola).

Amanhã, quando sair para o trabalho vou fazer questão de ir pelo IC30 e tomar atenção aos milhafres.

Aqui onde moro, quando vim para cá, era ffrequente ver coelhos, a sair das tocas, a saltitar, a voltarem para as tocas... agora construiram umas habitações e apesar de ocntinuar a haver um espaço "selvagem" raramente se vêm os coelhitos.

Beijinhos

Anónimo disse...

uauf,
fiquei muito entusiasmada com esse local, parece mesmo o national geographic ;0)
pelas tuas palavras parece-me o sítio ideal para eu conhecer.. e matar saudades da minha arte ancestral de caçar em corrida.
vou sugerir à minha dona uma pequena viagem até M.M com a desculpa de te ir cumprimentar claro. que já tenho saudades ;0)

slap's gulosos

JustAnother disse...

Que bela descricao... e pena que nao possas desfrutar mais dela por teres de trabalhar, mas so o poder ter um vislumbre de vez em quando ja e um privilegio!

Raquel Sabino Pereira disse...

JÁ AGORA... (he he he)

Vão ao Atlântico Azul ver o poster que coloquei ontem sobre a Regata Atlântico Azul de dia 15 de Agosto de 2007! Basta aparecerem na praia do Rosário (na Moita), pelas 07h30 e embarcar! Venham ver as lindas embarcações típicas do Tejo em acção!...

Raquel Sabino Pereira disse...

Afgane! Então TENS MESMO DE VIR!!!
(mas atenção: não me referia à de Aveiro, que também vai ser espectacular; mas sim à do Tejo, logo a seguir ao post que comentaste...)

Um abraço!!!

Rita disse...

Eu também vejo os Milhafres no meu trajecto habitual pelo IC19. Muitos deles ali na zona de Rio de Mouro e outros também ao pé do Hospital Amadora Sintra. Sou fascinada por aves de rapina, acho-as uns animais magníficos. Uma vez estava deitada já pronta para dormir e ouvi uma coruja, é tão agradável, até parece que estamos na Floresta. E os Leões??? Lá do meu quarto também os oiço a rugir mas isso é quando o circo está por lá...
Jokas

Maria Cristina Amorim disse...

Uma coisa eu te garanto, se fosse eu a trabalhar nesse lugar, passava o tempo todo a vigiar a malta selvagem.Beijos.

Afgane disse...

Van Dog
Ainda bem que consegui transmitir um pouco da beleza que aprecio.
Abraço

Thunderlady,
Já te deixei um comentário lá no blog com as indicações necessárias para chegar lá
beijos

Marla,
És sempre bem recebida aparece quando quiseres
Beijos

Tuxa,
Já me dou por feliz pelos breves momentos que tenho tido e os mais que ainda terei.
Beijos

Sailor girl
Se puder vou mesmo já tenho saudade de uma regata.
Beijos

Rita,
Ainda bem Rita, as aves de rapina são uma maravilha. Essa dos leões é boa apesar de eu ser contra o circo e tudo o que envolva exploração de animais.
Beijos

Pandora,
Os animais são os menos selvagens que lá existem, os piores são as pessoas infelizmente he he he
Beijos

Ana disse...

Considera-te um previligiado por poderes assistir a tudo isso, mesmo que por escassos momentos, enquanto trabalhas.
Aposto que são daqueles momentos em que se esquece tudo á volta!
Bem que eu precisava de ter uma vista dessas durante o dia, mas infelizmente só vejo prédios e alguns pombos.

Gostei!

beijinhos

LurdesMartins disse...

Isso é que é sorte!!!
Um dia destes vai aí a BBC vida selvagem fazer um documentário!

Beijinhos

Anónimo disse...

People, estamos a tentar melhorar o nosso Blog, e de alguma maneira precisamos da vossa opinião sobre a matéria. Please digam-nos o que pensam, a vossa opinião é que conta, agradecido …. Clicka em http://sexohumorprazer.blogspot.com/2007/07/mais-temas.html , para opinar sobre “Temas”.

CAP CRÉUS disse...

Concordo!
Muito boa a descrição.
Apesar de tudo, tens de facto o teu próprio mundo à parte, que vale por certo, umas fotos e uma dose de paciência para poderes captares os melhores momentos.
Que essa "malta", tenha sorte e não venha nenhum vizinho tentar acabar com tudo isso!

achieving values disse...

Boas capturas e uma interessante exposição do assunto, indo directa ao assunto, gostaria de saber se faz alguma captação fotográfica profissional destas aves e se sabe se há alguma entidade que o faça no concelho de Sintra? É que a população destes animais parece ter vindo a aumentar e acho que seria interessante fotografar os especimens que por aí andam :)